sábado, 23 de outubro de 2010

'Preconceito é lastro de elites e grande mídia para desqualificar voto do Nordeste', diz estudiosa

Socióloga e professora da UFPE, Tânia Bacelar de Araújo, desconstrói preconceito de análises que conferem a voto nordestino ato de retribuição por Bolsa Família

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Em artigo publicado no último dia 20 no site Adital Notícias da América Latina e Caribe, a professora da UFPE critica avaliações do resultado eleitoral do 1º turno que tomam por base a mera correlação dos votos da população mais pobre com os programas sociais do governo Lula, especialmente no Nordeste.

Para a pesquisadora há uma “visão simplista e preconceituosa que não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes”. Ela afirma que o total de 60% dos votos sufragados à Dilma no Nordeste é amplamente maior do que o conjunto de famílias atendidas pelo Bolsa Família nessa região. E lembra que 25% das famílias atendidas por este programa estão no Sudeste.

Tânia Bacelar destaca em seu artigo que outros programas foram importantes para o desenvolvimento do Nordeste nos últimos oito anos - especialmente no setor agrícola - como o investimento maciço em agricultura familiar, criação do Seguro-Safra e o Programa de Compra de Alimentos. Essas e outras políticas nacionais de governo foram responsáveis pelo aumento de 5,9% do emprego formal na região, superando o crescimento médio brasileiro de 5,4%.

O conjunto das ações governamentais voltadas para o Nordeste e sua consequente dinamização econômica é que explicariam, de fato, a ampla vantagem da candidata de Lula em todos os Estados dessa região.

“É o voto da autoconfiança recuperada, da esperança na consolidação de avanços alcançados; o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria, mas uma região plena de potencialidades”, conclui a professora da UFPE.

Leia abaixo o artigo de Tânia Bacelar. E também o artigo da psicanalista Maria Rita Kehl.

O Voto do Nordeste: para além do preconceito

Por Tânia Bacelar de Araújo

A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Não "soubesse" votar.

Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o "Bolsa Família" serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo "Bolsa Família"), os "grotões" -como nos tratam tais analistas- teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno: mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total (contra 20% dados a Serra).

A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e candidatos a Presidente no Nordeste.

A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.

Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela "inserção competitiva" do Brasil na globalização -que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB-, os Governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns "clusters" (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...) enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.

Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou -junto com o Norte- as vendas no comércio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.

Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar -via suas compras- a retomada da indústria naval brasileira, o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.

Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infraestrutura -foco principal do PAC- que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro, a construção civil "bombou" na região.

A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais -antes fortemente concentrados no Sudeste- dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos (na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira "cidade da ciência" num dos municípios mais pobres do RN (Macaíba).

Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e instrumentos de política foram criados (Seguro-Safra, Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional. E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.

Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.

Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão -como antes- da desinformação, ou da ignorância. É o voto da autoconfiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados - alguns ainda insipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, "Bolsa Família"), mas uma região plena de potencialidades.

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