terça-feira, 29 de janeiro de 2013

‘Amor’

Vencedor da Palma de Ouro 2012, filme expõe o martírio da morte no fim da vida 

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Michael Haneke é conhecido como um cineasta que “põe o dedo na ferida”. Sua abordagem perturbadora de temas delicados o faz um contumaz provocador. Na abertura de “Amor” ele nos mostra o desfecho do filme. Mas até o final chegar, o que vemos  – um homem lidando com a doença terminal da mulher que ama – vai pesando, incomodando, nos roendo por dentro. 

Em “Amor”, o premiado Haneke desconstrói a lógica de quem vê na morte uma tragédia apenas quando se trata de vida ceifada precocemente. Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean-Louis Trintignant) são octogenários. Um casal de músicos que parece viver em harmonia, gozando de uma cumplicidade e intimidade forjadas por décadas de convívio.

Um belo dia, durante o café da manhã, ela sofre um derrame. É o começo do fim. Um drama que vai evoluir de forma dilacerante e lentamente, como um recital infindável. O cenário é o apartamento onde vivem em Paris. Um espaço aconchegante, impregnado de mobília antiga, objetos de arte, livros e um piano, símbolo da grande paixão do casal, a música.

A doença de Anne logo se instala, de forma implacável e irreversível. E vai rompendo o equilíbrio de concórdia entre o casal, dando lugar a um ambiente de conflitos. A nova situação é encarada por ambos sem eufemismos. 

A pedido de Anne, Georges lhe promete que não a deixará retornar ao hospital, já que o tratamento possível podia ser feito em casa. Essa promessa, que ele cumprirá à risca, é o fio condutor da trama. É o que vai conferir dignidade ao inevitável, a degeneração física e mental de Anne. Um pacto “de coração”, como revelará o enredo. 

Outros personagens surgem em cena: a filha (Eva/Isabelle Huppert), um jovem pianista ex-aluno de Anne e duas enfermeiras. Georges precisa lidar com eles com pragmatismo, para prevalecer no cotidiano o seu pacto com Anne. Chega a ser duro com Eva: “sua preocupação não ajuda em nada”; em outro momento lhe diz “nada disso merece ser mostrado”, tentando dissuadi-la de ver a mãe em tal estado. 

Georges faz as vezes de enfermeiro e fisioterapeuta, além do companheiro de sempre. Incansável, ele insiste em alimentar Anne, mesmo a contragosto dela, a essa altura já com sinais de demência. Mas também lhe proporciona pequenos lapsos de felicidade, cantarolando canções de ninar e contando histórias do seu passado. É tudo muito pouco (para ele, para ela), diante da vida que tiveram juntos.

Até que, de modo surpreendente e não menos arrebatador , Georges decide abreviar os dias degradantes que restam a Anne, blindando-a definitivamente de um mundo que há muito nada pode lhe oferecer. Por amor. 

“A dificuldade de lidar com um tema tão exigente é encontrar uma forma apropriada para tratar da velhice e da doença sem cair no sentimentalismo e na negatividade; tentamos evitar os dois”, declara Haneke em entrevista.

Sobre o uso de um único cenário (o apartamento do casal), o diretor de “A fita branca” (2009) diz que queria evitar que o filme se tornasse um drama social. Para ele, a trama envolvendo uma pessoa que se ama e que se encontra em estado terminal é melhor representada em um espaço confinado. “A vida das pessoas enfermas se reduz mesmo a um lugar entre quatro paredes”, arremata Haneke.

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