quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sol - o grande ‘alquimista cósmico’

Precursor de quase todas as fontes de energia na Terra, astro deve nos enviar em maio nova tempestade radiativa capaz de danificar satélites e afetar passageiros de voos

Superposição de foto (de Wendy Carlos) e imagem de satélite da NASA, durante eclipse de 1999, na Romênia
http://www.predsci.com/corona/aug99eclipse/aug99eclipse.html

O Sol é uma estrela com massa igual a 99,86% da massa de todo o sistema solar. Uma gigantesca esfera de gases ionizados que converte a cada segundo 600 milhões de toneladas de hidrogênio em hélio.

Sua estrutura pode ser representada por um núcleo central e quatro camadas superpostas. Do núcleo para fora: zona radiativa (onde apenas luz é transportada), zona convectiva (gás transportando energia), fotosfera (camada permeada por gás mais frio e denso) e cromosfera (camada de baixa densidade). Há ainda a coroa, manchas e proeminências solares.

A cromosfera só é visível durante os eclipses totais. Isto porque ela é ofuscada pelo brilho da fotosfera, cuja radiação é muito mais intensa. Assim, quando a Lua se interpõe entre a Terra e o Sol, o disco luminoso da fotosfera é encoberto, fazendo aparecer a cromosfera e, mais ainda, a coroa.

Modelo representativo do Sol, com um núcleo central, quatro camadas, coroa, manchas e proeminências solares
http://astro.if.ufrgs.br/esol/esol.htm

O núcleo tem uma temperatura média de 15 milhões de graus Kelvin (K); nele é produzida a energia solar, por reações termonucleares (fusão nuclear). Já a fotosfera, camada visível do Sol, tem uma temperatura de 5.785 K; a cromosfera, em média, 15 mil K, variando de 4.300 K (na base) a 40.000 K (a 2.500 km de altura).

Como visto, a temperatura não diminui continuamente do núcleo à coroa. Fenômenos complexos de transporte de luz, calor e radiação eletromagnética governam este decaimento não linear de temperatura a partir do núcleo, onde se origina a “alquimia cósmica” do Sol. 

O calor transferido à cromosfera não pode ser atribuido a fótons (partículas elementares do espectro eletromagnético), caso contrário ela não estaria mais quente que a fotosfera. Sua temperatura mais alta se deve a uma fonte de energia oriunda de campos magnéticos formados na fotosfera e levados até a coroa por correntes elétricas. 

O fenômeno fotosférico mais notável são as “manchas solares”, regiões irregulares e mais escuras que a fotosfera circundante, com temperaturas menores que a temperatura média da fotosfera (imagem). As manchas solares são associadas a intensos campos magnéticos que impedem o calor das regiões mais internas chegar à fotosfera. Daí serem mais frias. 

Manchas solares tão grandes quanto a Terra (ARTE: Randy Russel, usando imagens da Academia Real de Ciências da Suécia e da NASA)
http://www.windows2universe.org/sun/images/sunspots_earth_size_big_jpg_image.html

Observadas pela primeira vez no ano 28 a. C., na China, as manchas solares seguem um ciclo de aproximadamente 11 anos. Descoberto em 1943 (pelo astrônomo alemão Samuel Schwabe), o ciclo solar é o período de atividade do Sol compreendido entre dois registros de um número de manchas mínimo, com um pico entre eles.

Durante o máximo solar, o Sol é infestado por grandes manchas, e intensas explosões ocorrem quase que diariamente. O máximo do último ciclo solar (23) foi em fevereiro de 2001, com registros de fortes tempestades de radiação e auroras em latitudes médias. 

Estudos de 2009 indicam que o atual ciclo solar (24) que começou em janeiro de 2008 deve atingir o seu pico em maio de 2013, com a formação de 90 manchas (gráfico). Previsões mais recentes (de 2012) apontam para um valor de pico médio de 69 manchas solares, devendo ser este o menor número registrado desde 1928, quando houve 78.

Evolução das manchas solares no último ciclo solar (23) e no atual ciclo solar (24 - previsão). FONTE: NOAA/SWPC Boulder, Co. (EUA)
Adaptado de http://science.nasa.gov/science-news/science-at-nasa/2009/29may_noaaprediction/

Distante 150 milhões de km da Terra, o Sol deve brilhar por mais uns 6,5 bilhões de anos. Segundo os “modelos de evolução estelar”, daqui a 3,5 bilhões de anos o brilho solar deve aumentar em 40%. A água dos oceanos terá então evaporado completamente, intensificando o efeito estufa de tal modo que a temperatura atingirá níveis insuportáveis para a vida. 

O consumo de hidrogênio no núcleo do Sol significa a perda gradual de sua massa (m), na mesma razão da energia radiante (E) liberada, dividida pelo quadrado da velocidade da luz no vácuo (c). Da famosa equação de Einstein E = mc2. Essa perda de massa solar faz com que a Terra vá se afastando do Sol até se aproximar da órbita de Marte, momento em que a temperatura terrestre deve alcançar 1.600 K (1.327 oC). 

O “vento solar” que emana da coroa também contribui para a perda de massa do Sol, uma vez que transporta um fluxo contínuo de partículas. Entrando na atmosfera terrestre a 400 km por segundo, essas partículas – cerca de 7 mil prótons por litro – se dissipam no campo magnético da Terra, formando um “cinturão” que força o vento solar a entrar pelos polos, dando origem às auroras. 

Aurora boreal no Bear Lake, Alaska (Lat. 64º), em 2005 (FOTO: Joshua Strang, Base Eielson da Força Aérea Americana)
http://www.af.mil/photos/media_search.asp?q=aurore+boreal&btnG.x=19&btnG.y=4

Em regiões polares do hemisfério norte, temos a aurora boreal; no hemisfério sul, a aurora austral: um show de luzes coloridas, causado pelo choque entre partículas do vento solar e moléculas atmosféricas. Fenômeno observado também em Júpiter, Saturno e Marte. 

Além de ventos solares, grandes ejeções de massa associadas às proeminências podem atingir a Terra, especialmente em períodos de máximo do ciclo solar. São tempestades radiativas ou “geomagnéticas” cujas partículas viajam a 2 mil km/s. Podem interferir nos sistemas de comunicação (sinais de rádio, TV, radar, telefonia, GPS), bem como danificar satélites, linhas de transmissão elétrica e transformadores. Astronautas e passageiros de voos polares ficam expostos ao risco de radiação nociva.

Diversos danos causados por tempestades solares foram registrados nos últimos anos: em 1989, a queima por sobrecarga do transformador da PSE&G, em Nova Jersey (EUA); no mesmo ano, transformadores no Quebec (Canadá) foram danificados, deixando 6 milhões de pessoas sem eletricidade por 9 horas; em 1994, foram afetados os satélites Anik E1 e E2; em 1998, os satélites Telstar 1 e Galaxy 4. 

Imagem de tempestade solar (sobreposta à foto noturna de Londres)
http://www.la-fin-du-monde.fr/2009/06/la-prochaine-tempete-solaire-repoussee-a-2013/

A radiação solar extra-atmosférica – a “constante solar” – tem uma densidade energética de 1.367 W/m2, valor que varia 0,3% durante os 11 anos do ciclo solar. Já a parcela de energia solar que atravessa a atmosfera terrestre atinge a crosta com uma potência de 170 milhões de GW (giga watt). Continentes e oceanos absorvem cerca de 50% dessa energia, 20% é retida na atmosfera e o restante é refletido e parcialmente reabsorvido pela atmosfera.

É a radiação solar e sua interação com a atmosfera que determinam a temperatura da Terra. Com base na Lei de Stefan-Botzmann, é possível estimar grosso modo a temperatura média do planeta (T). Basta multiplicar a área (em metros quadrados, m2) de um círculo com diâmetro igual ao da Terra por 0,25 (razão entre a área de incidência solar e a área terrestre) pela porcentagem da radiação absorvida (0,7). O valor obtido deve ser igual à energia emitida pela Terra, que é o produto de uma constante (5,67.10-8) por (T)4. 

O resultado é T = 255 K = - 18 oC, o que tornaria impossível a vida na Terra tal como a conhecemos. Graças à atmosfera, responsável pelo efeito estufa (que não entrou no balanço de energia acima), a temperatura média do planeta é de 15 oC. 

Com exceção das energias nuclear, maremotriz e geotérmica profunda, todas as formas de energia dependem da radiação emitida pelo Sol: combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) – matéria orgânica armazenada no subsolo durante milhões de anos – e fontes renováveis (hídrica, biomassa, eólica, solar, e energia dos mares e oceanos).

A energia nuclear é aquela liberada em reações que ocorrem no núcleo dos átomos. Usinas nucleares utilizam em seus reatores processos controlados de fissão nuclear, em que o núcleo atômico é transformado em outras partículas, liberando uma grande quantidade de energia. O combustível utilizado é o urânio – elemento  encontrado em reservas naturais em várias partes do mundo. Portanto, uma fonte de energia não originária do Sol.

A energia maremotriz – resultante do movimento cíclico das marés – não depende da radiação solar, já que é fruto de um efeito conjugado de forças gravitacionais entre a Terra, a Lua e o Sol. Já a energia geotérmica, quando não proveniente de magma subterrâneo profundo, é energia solar armazenada no subsolo. Fonte limpa e renovável, com grande potencial para uso em sistemas de climatização. 

Usina termossolar (Plataforma Solar de Almería, Espanha): "sistema torre" de conversão heliotermodinâmica para produção de eletricidade
http://ifobox.appspot.com/article/13024/Espa%C3%B1a_una_potencia_mundial

O Sol determina o ciclo das águas, influenciando o regime de chuvas e, consequentemente, a energia hídrica que movimenta milhares de turbinas mundo afora produzindo eletricidade.  É fonte de luz para a fotossíntese, processo essencial à vida dos seres clorofilados e, logo, à produção de alimentos, biocombustíveis e biomassa para geração de energia.

Os raios solares aquecem desigualmente a atmosfera, gerando porções de ar com diferentes densidades, o que dá origem aos ventos. Um enorme potencial energético, cujo aproveitamento efetivo se restringe a uma capacidade eólica global instalada de 238 GW (2011).

São os ventos que originam as ondas oceânicas, transferindo parte de sua energia para a superfície da água. O movimento das ondas pode ser convertido em energia mecânica que, por sua vez, pode gerar eletricidade. Uma fonte de energia renovável e potencialmente utilizável.

A diferença de temperatura entre águas marinhas superficiais e profundas também permite obter energia elétrica. Assim, pode-se dizer que boa parte do potencial energético de mares e oceanos (estimado em até 1 trilhão de kWh por ano) deve-se ao Sol. 

A energia solar que atinge uma localidade depende de diversos fatores: atividade solar (flutuações decenais, sazonais e pontuais), latitude, nebulosidade e hora. No Nordeste brasileiro a disponibilidade de radiação solar diária é superior a 6 kWh/m2.

A capacidade instalada do Brasil (117 GW) equivale à energia solar absorvida durante um dia em 55 mil campos de futebol – área equivalente a 0,03% da área do Nordeste.

Globalmente, a quantidade de radiação solar absorvida pelos continentes durante um ano equivale a 2.300 vezes toda a energia utilizada pelo homem neste período. Um potencial energético ainda longe de ser plenamente aproveitado, já que a capacidade instalada no mundo para produção de eletricidade solar é de apenas 72 GW (2011).

Apesar do avanço tecnológico alcançado nos últimos 20 anos, a energia solar térmica e fotovoltaica ainda precisam superar muitas barreiras para que o seu uso em larga escala se torne realidade. 

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