quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Gare de Perpignan é o centro do mundo, afirmava Salvador Dalí há 50 anos

Declaração do artista catalão causou furor nos meios intelectual e jornalístico da época

Gare de Perpignan: el centre del món (“o centro do mundo”), segundo Salvador Dalí (FOTO: Maria Pia Abbafati)

19 de setembro de 1963. Salvador Dalí – já reputado como gênio do surrealismo – caminha em uma sala de espera da estação ferroviária de Perpignan (França), de onde seus quadros eram despachados para o mundo todo. 

Repentinamente, tomado por um “êxtase cosmogônico”, Dalí tem uma epifania que o faz revelar: “Estamos aqui, no centro do mundo!”.

Até o fim de sua vida o mestre da arte surreal vai cultivar sua arrebatadora declaração e causar perplexidade em seus críticos e admiradores. 

Um átimo de lucidez do coautor de “Um cão andaluz” ou mais um dos seus delírios? Para alguns, apesar das contumazes provocações e excentricidades de Dalí, uma parcela não negligenciável desse delírio particular tem fundamento. 

Como dizia o próprio Dalí, suas convicções eram fruto de “um método espontâneo de conhecimento irracional, baseado na crítica objetiva e sistemática das associações e interpretações delirantes”.

"É sempre na gare de Perpignan, no momento em que Gala registra os quadros que embarcam em nosso trem, que eu tenho as ideias mais geniais da minha vida" (FOTOMONTAGEM: Antonio Pralon)
http://tangowithagypsy.wordpress.com/2009/05/31/salvador-dali-artist-january-15-1963-richard-avedon/

O semiólogo francês Robert Marty interpreta o método de Dalí como a possibilidade dos delírios individuais se conectarem com “uma apropriação coletiva da visão do mundo pelo conhecimento”. 

Para Marty, o que Dalí afirmara sobre a gare de Perpignan refletia menos delírio e mais alusão a uma hipótese científica proposta originalmente pelo geógrafo alemão Alfred Wegener.

A “deriva continental” – idealizada por Wegener em 1912 – foi precursora da teoria do “movimento de placas tectônicas”, que explicaria nos dias de hoje a formação dos continentes. 

À origem da hipótese de Wegener, está a semelhança entre os perfis das costas banhadas pelo Atlântico nos atuais continentes. Além disso, a ciência constata a presença de fósseis de plantas e animais idênticos – datando de 240 a 260 milhões de anos – em diferentes partes de costas terrestres do Atlântico (figura). 

Esquema da “deriva continental”, que estaria por trás da declaração feita pelo mestre do surrealismo (figuras de mesma cor representam fósseis idênticos) e o contexto da nova Gare de Perpignan
http://robertmarty.unblog.fr/2011/01/23/el-centre-del-mon-clin-doeil-ou-delire-perpetue/

Uma vez aplicado, o método daliniano levaria à chamada solução de Wegener, colocando a gare de Perpignan no centro de gravidade do planeta, local para onde convergiriam todas as placas tectônicas continentais. 

Na ótica delirante de Dalí, essa força gravitacional agregadora teria mantido firme a distribuição dos continentes anos a fio, evitando que catalães vivessem na Austrália junto com “horríveis cangurus”, como explicou o artista.

Na verdade, a análise de Marty sobre a famosa declaração de Dalí é uma crítica ao discurso oficial da administração de Perpignan, que estaria “perpetuando o delírio do mestre surrealista”, para justificar os propósitos futurísticos da nova gare da cidade (então em construção), inaugurada no final de 2010.
 
Fonte: http://robertmarty.unblog.fr/2011/01/23/el-centre-del-mon-clin-doeil-ou-delire-perpetue/

Nenhum comentário:

Postar um comentário