segunda-feira, 31 de agosto de 2015

África do Norte: a hora e a vez da energia solar

Alta disponibilidade de radiação solar garante segurança energética a países do Magreb

Limpeza dos espelhos de coletores cilindro-parabólicos da central solar termodinâmica de Aïn Beni Mathar, em Abengoa, Marrocos (FOTO: Dana Smillie/Banco Mundial; adaptada de Le Journal des Énergies Renouvelables, spécial Maghreb, maio-junho de 2015)

Marrocos, Argélia e Tunísia recebem em seus territórios 60% a mais de radiação solar que a média incidente na Europa. 

Fortemente dependentes de combustível fóssil, esses países se engajaram na transição energética centradas em fontes renováveis, especialmente a solar.

As três nações juntas devem alcançar uma população de 40 milhões de habitantes nos próximos 25 anos, cuja demanda elétrica deve crescer mais de 70%. 

Um potencial mercado consumidor, que deverá elevar consideravelmente o número de eletrodomésticos por habitante, gerando forte pressão sobre a oferta de energia. 

Enquanto o PIB desses países registrou um crescimento anual entre 3 e 4% nos últimos anos, a demanda de energia elétrica aumentou de 4 a 8%, podendo triplicar até 2030. 

Para enfrentar tal demanda, programas de grande porte foram criados nos três países para aumentar a participação da energia solar em suas matrizes elétricas e também fomentar ações de eficiência energética. 

A Tunísia, por exemplo, estabeleceu reduzir sua intensidade energética primária a uma taxa de 3% ao ano, entre 2015 e 2030, visando reduzir o consumo em 34% no período. 

Em 2009, o Marrocos lançou um plano estratégico, com foco em eficiência energética, que inclui normas para novas construções, antigas edificações e indústrias energívoras, etiquetagem de eletrodomésticos e substituição de lâmpadas incandescentes. 

Na seara de fontes renováveis, o país conta com um significativo parque eólico distribuído por seu território, com 600 mil MW de capacidade instalada. 

A um custo de 50 euros por MWh, a energia eólica já compete com a energia produzida por termelétricas a combustível fóssil, ou seja, essa fonte atingiu a chamada “paridade rede”. 

Na área solar, o país lançou em 2009 o Plano Solar Marroquino (PSM), com o objetivo de produzir eletricidade limpa em grande escala, em uma zona de alta densidade de irradiação solar: de 6 a 7 kWh/m2. 

Trata-se de um complexo de cinco centrais solares, em uma região em torno de Ouarzazate, cada uma com uma potência de 500 MW. A primeira unidade (Noor 1), de 160 MW, deve entrar em operação até o final do ano. 

A exploração deste complexo solar foi cedida a um consórcio de empresas da Arábia Saudita e Espanha, especialistas em conversão termodinâmica da energia solar. A tecnologia baseia-se em coletores cilindro-parabólicos (Noor 1 e 2) e espelhos planos com torre (Noor 3). 

A meta do PSM é que a geração solar alcance 30% de participação na matriz elétrica marroquina até 2020, quando toda a capacidade instalada (2 MW) estiver operativa. 

A Argélia atualizou recentemente o seu “plano de desenvolvimento de energias renováveis”, lançado em 2011. Manteve a meta original de 22 GW instalados com fontes limpas até 2030. 

Mas reduziu a participação dessas fontes no consumo elétrico nacional, de 37% para 27%, mesmo ante a previsão de crescimento expressivo da demanda, principalmente pela maior quantidade de aparelhos de ar condicionado por habitante. 

O plano argelino visa 20,6 GW renováveis instalados até 2030, sendo 2 GW em centrais termossolares, 13,6 GW em geração solar fotovoltaica e 5 GW em eólica. 

Já a Tunísia se destaca no setor de energia solar por um programa exitoso de disseminação de coletores térmicos, lançado há cerca de 10 anos. Agora, o país tenta replicar este modelo a telhados fotovoltaicos. 

Em 2003, sistemas solares de aquecimento de água representavam apenas 3% do mercado tunisiano, então dominado por aquecedores a gás (60%) e elétricos (40%). 

Com uma demanda atual significativamente maior, o mercado de aquecedores solares supera 150 mil novas unidades anuais, representando entre 25 e 30% do total. 

O país tem 730 mil m2 de área de coletor solar instalada, e deve economizar nos próximos 15 anos cerca de 3 bilhões de m3 de gás natural, sua principal fonte de geração elétrica. 

Além de atender à demanda interna, o desenvolvimento de fontes renováveis no Magreb abre caminho para que, no futuro, a eletricidade solar excedente possa abastecer redes do sul da Europa. 

O projeto europeu Super Grid – que visa soluções tecnológicas em estocagem, geração e transmissão de energia – considera a possibilidade de se integrar centrais solares do norte africano às termelétricas convencionais instaladas do outro lado do Mediterrâneo. 

Quando? “Certamente não antes de 2030, já que até lá o Magreb empreenderá esforços para atender à sua própria demanda”, declara Jean Kowal, diretor-geral do projeto Medgrid (estudo de linhas elétricas “transmediterrâneas”). 

Lançado em 2010, o Medgrid focou inicialmente o potencial exportador de energia dos países do mediterrâneo europeu para os do Norte da África, para em seguida avaliar a transmissão de eletricidade renovável no sentido oposto. 

Por hora não se pode esperar avanços rumo a essa integração energética, devido a uma conjunção de fatores, como a ampliação da geração solar na Europa (principalmente pela forte queda no preço dos painéis fotovoltaicos), explosão da demanda no Magreb e instabilidade política na região. 

Mega projetos concebidos para os países ao sul do Mediterrâneo, como o Plano Solar Mediterrâneo, foram abandonados. Lançado em 2008, sua meta era dispor de 20 GW renováveis até 2020, mas revelou-se utópica. 

Atualmente, a União Europeia tem adotado uma política mais moderada e equilibrada em prol do intercâmbio energético com o Magreb. O bloco europeu lançou recentemente uma “plataforma de diálogos” sobre fontes renováveis, uso eficiente da energia e mercado regional de eletricidade. 

Especialistas reconhecem que as fontes renováveis de energia representam um vasto potencial para que floresça nos países do noroeste africano uma nova indústria voltada ao setor. 

Numa região com desemprego endêmico entre jovens (50% na Argélia), “um dos maiores desafios é mostrar que a transição energética é capaz de gerar empregos”, destaca François Gréaume, diretor de cooperação internacional da Agência de Energia e Meio Ambiente da França. 

Para tanto, as políticas de subsídio aos combustíveis fósseis precisam mudar. O Magrebe e países do Oriente Médio juntos detém menos de 5% do PIB planetário, mas respondem por 50% das subvenções mundiais à energia (combustíveis, carburantes e eletricidade). 

Fonte: Le Journal des Énergies Renouvelables, Spécial Maghreb, maio-junho de 2015

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