segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Climatização solar: um percurso com muitos obstáculos

Para especialistas europeus, climatizadores solares são ainda custosos e complexos de se explorar

Coletores térmicos com área total de 240 m2, do sistema de climatização solar da ZAC Jacques Coeur, instalado em Montpellier, sul da França (FOTO: MC Lucat/SERM; Journal des Énergies Renouvelables, No 228, 2015)

“O pico de radiação solar coincide com o pico de demanda por resfriamento” – este é o truísmo científico que justifica o entusiasmo teórico pela climatização solar.

Mais justificável ainda torna-se o interesse pelo “frio solar” quando se considera a previsão da Agência Internacional de Energia (AIE).

Segundo a AIE, a demanda energética para climatização deverá dobrar até 2050, o que levaria à necessidade de grandes investimentos para se adequar a rede elétrica a este importante aumento de consumo. 

Diante de um quadro aparentemente tão favorável ao desenvolvimento do setor, paradoxalmente, o mercado de climatização solar ainda não decolou. 

As tecnologias de resfriamento solar mais promissoras não são ainda consideradas maduras e continuam onerosas, com custos de investimento duas a cinco vezes maiores que os de tecnologias convencionais. 

Um dos diretores do programa “Aquecimento e Resfriamento Solar” da AIE, Daniel Mugnier, engenheiro da Tecsol, de Perpignan (França) – consultoria de pesquisa e desenvolvimento em energia solar – avalia que em 2013 o mundo contava com cerca de 1.200 sistemas de climatização solar operacionais. 

“Se comparamos a história da climatização solar com a do setor fotovoltaico, estamos mais ou menos no mesmo nível de custo de 20 anos atrás – algo em torno de 20 euros por Wp instalado – dos sistemas fotovoltaicos para localidades remotas”, diz Mugnier. 

Três tipos de tecnologia, baseados na “produção de frio” a partir do calor fornecido pelo sol, dominam o mercado de climatização solar. Grosso modo, são máquinas que convertem a energia solar térmica em efeito frigorífico, mediante processos de “sorção”. 

São sistemas ditos “por absorção” (quando o meio sorvedor é líquido) ou “por adsorção” (sorvedor sólido); estes últimos operam em ciclo fechado ou ciclo aberto, via desumidificação do ar ambiente. 

A tecnologia mais utilizada no mundo é a dos sistemas de absorção, que operam sempre em ciclos fechados, com uma solução aquosa agindo como meio sorvedor. 

Em Montpellier, sul da França, uma máquina de absorção – de tecnologia japonesa – é acionada por um campo de coletores térmicos de 240 m2 de área total de captação solar (foto). 

A instalação, concebida pela empresa Tecsol, fornece parte da energia consumida para aquecer água de uso doméstico e para climatizar um edifício com 11 mil m2 de salas de escritórios, 3 mil m2 de lojas e 170 apartamentos. 

O sistema solar possibilita o resfriamento do ar ambiente, quando a temperatura da água aquecida pelos coletores alcança 70oC, o que é facilmente obtido com tecnologia de coletores planos. 

Mas em dias de baixa disponibilidade de radiação solar, o calor fornecido pelos coletores é usado apenas para pré-aquecer água de uso sanitário. 

Após dois anos de monitoramento do sistema, os resultados mostraram uma cobertura de 14% das necessidades de resfriamento e de água quente sanitária do prédio. 

A produtividade média da instalação foi de 445 kWh/m2 de coletor, valor que superou em 27% a meta de economia de energia prevista no programa regional que viabilizou o projeto. 

Se por um lado os bons resultados do sistema de climatização solar da ZAC, de Montpellier, comprovam sua viabilidade técnica, o custo de investimento foi demasiadamente alto. Foram 415 mil euros (cerca de 1,6 milhão de reais), dos quais 58% foram subsidiados. 

Daniel Mugnier declara que, para instalações de climatização de grande porte (acima de 100 kW de potência frigorífica), a via solar térmica tem boas chances de se consolidar. 

“Já para sistemas menores, entre 30 e 100 kW, o caminho é mais longo; é preciso ainda investir muito em pesquisa e desenvolvimento (P&D)”, conclui Mugnier.

A AIE vai na mesma linha: “Com investimentos em P&D significativamente maiores, sistemas de resfriamento solar, estandardizados, competitivos e fiáveis, poderiam entrar no mercado até 2020.

A previsão da agência internacional para 2050 quando o frio solar” poderá representar 17% da energia consumida em ar condicionado parece até uma utopia. Pouca gente também acreditava, há 20 anos, que o fotovoltaico alcançasse a proporção que alcançou no mercado de novas fontes renováveis. 

Fonte: Journal des Énergies Renouvelables, No 228, julho-agosto de 2015

2 comentários:

  1. A questão da climatização em si também deve ser repensada. Sistemas de resfriamento adiabático são adequados e eficientes em locais de clima seco (em cerca de 50% do território Brasileiro) e consomem uma pequena fração da energia que demanda um ciclo convencional de refrigeração. Reduzindo a demanda desta forma, a viabilidade econômica torna-se evidente. Mas a sociedade, os usuários e os projetistas de climatização, precisam aceitar um novo paradigma em termos de temperaturas, imposto pela sustentabilidade. Quantos graus precisamos manter no ambiente? A resposta a está pergunta precisa mudar.

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    1. De fato, há uma economia considerável de energia no resfriamento evaporativo (até 40%), mas como vc disse, só funciona em áreas de baixa umidade. Já existem comercialmente sistemas de climatização solar (à base de dessecantes) que utilizam este processo (resfr. adiabático) e tb pesquisas combinando rodas dessecantes -acionadas por energia solar- com sistemas de compressão. Não há solução "única", inclusive na seara solar. O Mugnier citado aí no artigo publicou recentemente (em parceria c/ Francis Meunier) um livro interessante, onde analisam comparativamente as diferentes possibilidades tecnológicas de se produzir "frio solar" [http://ofrioquevemdosol.blogspot.com.br/2013/06/climatizacao-solar-termica-ou.html]. Um "novo paradigma" no setor de climatização seria realmente bem-vindo; pior é que nem as normas básicas de conforto ambiental são respeitadas (vc entra em aviões, shoppings, cinemas, etc e normalmente "gela" de frio), engendrando um desperdício incalculável de energia. Sem falar nas normas de construção totalmente inadequadas ou simplesmente ausentes no Brasil, quanto ao uso de materiais termicamente adequados, que promovam uma redução da carga térmica. No NE, são 200 W/m2 de energia consumida para climatizar residências, contra cerca de 50 W/m2 nas ecobuildings da região mediterrânea, para dar um exemplo de como estamos mal.

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